MANHUAÇU (MG) – O Ministério Público Federal (MPF), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal (PF) encaminharam recomendação à Caixa Econômica Federal e ao Ministério das Cidades, para a implementação de mecanismos de controle e fiscalização mais efetivos no programa Minha Casa Minha Vida Rural (MCMVR), inclusive para verificar se realmente as normas e diretrizes atualmente existentes estão sendo cumpridas.
No final do ano passado, os três órgãos realizaram a Operação Tyrannos, quando foi desvendado um esquema milionário de fraudes e desvios no programa habitacional em municípios da região sudeste do estado de Minas Gerais.
As investigações desenvolvidas conjuntamente pelo MPF, CGU e PF culminaram na prisão de 12 pessoas, que atuaram em um esquema que desviou pelo menos 1,6 milhões de reais dos cofres públicos.
No final de dezembro, o Ministério Público Federal denunciou 19 pessoas pela prática dos crimes de estelionato, peculato, falso testemunho e fraude processual. Quatro funcionários da Caixa Econômica Federal foram acusados dos crimes de peculato culposo e ordenação de despesa não autorizada e estão sujeitos, além do processo penal, às sanções administrativas decorrentes de processo administrativo disciplinar.
Ao longo das investigações, diversas falhas estruturantes nos atos normativos que regem o programa foram identificadas. A recomendação destaca essas vulnerabilidades e demonstra como as regras estão em descompasso com os princípios da Administração Pública e as regras de controle do dinheiro público, levando tais questões ao conhecimento dos órgãos responsáveis pela gestão e execução do MCMV rural e pedindo providências.
Falta de controle
Uma das falhas mais graves do programa está na não exigência da apresentação de notas fiscais para se comprovar a efetiva aplicação dos recursos públicos e a veracidade das aquisições feitas e dos serviços prestados”, exemplifica o procurador da República Lucas de Morais Gualtieri.
Desde novembro de 2011, a norma da Caixa que rege o programa dispensou a apresentação de notas fiscais de aquisição dos materiais de construção, passando a liberar recursos públicos diante da mera declaração de que os materiais haviam sido entregues.
Para o MPF, a CGU e a PF, “a inovação feita pela Caixa viola o artigo 70 da Constituição, que obriga qualquer pessoa física ou jurídica a prestar contas dos gastos efetuados com recursos públicos da União, com vistas a permitir a comprovação, sob os aspectos técnicos e financeiros, da execução integral do objeto do acordo em conformidade com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
A recomendação destaca que a falta de obrigatoriedade das notas fiscais pode induzir, inclusive, à prática do crime de sonegação fiscal, “na medida em que a empresa fornecedora do material de construção para o empreendimento poderia deixar de emitir a nota fiscal na efetivação da venda e, desta forma, deixar de pagar os devidos tributos, com vistas a ampliar sua margem de lucro”.
Superfaturamento
Outra irregularidade é a falta de exigência da realização de coleta prévia de preços no mercado e de formação do custo global das obras e serviços de engenharia a partir da composição de custos unitários menores ou iguais aos preços indicados pelo Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI).
Segundo Breno Cerqueira, chefe da Controladoria-Regional da União no Estado de Minas Gerais, “essas são exigências legais, que vinculam qualquer aplicação de recursos públicos federais, não sendo aceitável que um programa do porte do Minha Casa Minha Vida se furte ao cumprimento delas ao elaborar suas regras. Até porque tais obrigações existem justamente para evitar o mau uso dos recursos e a formação de sobrepreço e superfaturamento, com consequente prejuízo aos cofres públicos”.
A falta dessa obrigatoriedade permitiu, no caso investigado, que a entidade organizadora dos empreendimentos apresentasse à Caixa proposta de construção com sobrepreços (preços acima dos praticados no mercado), o que viabilizou posterior superfaturamento quando da efetiva aquisição dos materiais.
Ausência de licitação
Outra falha apontada por MPF, CGU e PF diz respeito à inobservância, pela Caixa, da obrigatoriedade constitucional de se realizar procedimento licitatório no emprego dos recursos públicos. Como a iniciativa dos projetos parte das entidades organizadoras, a instituição financeira faz o repasse dos valores diretamente àquelas que tiveram as propostas aprovadas por meio da simples assinatura de um Termo de Cooperação e Parceria.
“Não há transparência nos critérios utilizados pela Caixa para agraciar determinada entidade com a verba necessária à construção do empreendimento, em detrimento de outras que tenham igual interesse de construir na mesma região”, destaca a delegada de Polícia Federal Bruna Rizzato.
Os autores da recomendação defendem que, em obediência aos princípios da impessoalidade, eficiência e publicidade, a Caixa deveria realizar procedimento seletivo para contratar as entidades organizadoras, observando-se a Lei de Licitações (Lei 8.666/93).
Outras duas medidas recomendadas visam à observância dos mesmos princípios da impessoalidade e da transparência no uso dos recursos movimentados no âmbito do programa. A primeira provoca a Caixa para que inclua expressamente nas regras do programa a proibição de que a entidade organizadora possa contratar os serviços ou adquirir materiais de pessoas físicas ou jurídicas vinculadas, formal ou informalmente, à direção da própria entidade ou aos membros de uma comissão formada para gerir o empreendimento.
Foi o que aconteceu nos empreendimentos fiscalizados nos municípios de Martins Soares e Durandé, no leste mineiro. Os participantes do esquema constituíram várias empresas com o único propósito de fornecer material para o MCMV rural. Com isso, eles manipulavam os preços e a própria qualidade do material sem qualquer controle pela comissão que deveria fiscalizar as aquisições, justamente porque os próprios acusados é que compunham essas comissões, instituídas no âmbito de cada empreendimento.
Além disso, segundo a recomendação, a Caixa deve implementar mecanismos de controle e fiscalização mais eficientes, inclusive para verificar se realmente as atuais normas e diretrizes estão sendo cumpridas.
“A par de toda a fragilidade das regras, o que se pode perceber é que o próprio gestor do programa também não se desincumbe de verificar o atendimento das condições já estabelecidas, como por exemplo, verificar se está sendo cumprido o limite máximo de unidades habitacionais construídas de forma simultânea por uma única entidade organizadora”, explica a delegada de Polícia Federal Bruna Rizzato.
Devolução de recursos não utilizados
O MPF, a CGU e a PF também recomendaram a adoção de uma regra que preveja a devolução aos cofres públicos dos recursos que eventualmente não tenham sido utilizados na construção dos imóveis ou dos saldos provenientes de aquisições com valor inferior ao previsto no respectivo projeto.
“Ao contrário do que acontece com qualquer recurso público não utilizado, que deve ser devolvido ao orçamento da União, neste caso, as sobras ficam em poder das entidades organizadoras e das comissões responsáveis pelo empreendimento, o que pode dar margem ao enriquecimento ilícito, e o que é pior, praticado com a concordância ou no mínimo omissão do gestor do programa”, afirmam os autores da Recomendação.
À Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, por sua vez, foi recomendada a adoção de providências para mudança nas regras do MCMV rural, de forma a adequá-las legislação pertinente, já que é deste órgão a responsabilidade pela edição das portarias que estabelecem tais normas.
Foi recomendado especialmente mudança na regra que delega às entidades organizadoras a definição dos parâmetros de priorização e enquadramento dos beneficiários do programa MCMV rural. Para os autores da recomendação, quem deve definir tais parâmetros é o próprio Ministério das Cidades, por meio de uma normal geral e única em todo o país, pois a atual situação tem resultado no uso de recursos públicos para favorecimentos pessoais e de natureza política.
A Caixa e a Secretaria Nacional de Habitação terão prazo de 60 dias para informar as medidas adotadas para dar cumprimento à recomendação.
Suspensão do programa em 28 municípios mineiros
Além da Recomendação Conjunta, o Ministério Público Federal expediu uma segunda recomendação à presidência da Caixa Econômica Federal (CEF), para a suspensão da execução do Programa Minha Casa Minha Vida rural em 28 municípios mineiros nos quais se identificou a atuação do Centro de Tecnologia Alternativa e Suporte Técnico à Agricultura Familiar do Leste de Minas (CTAF), entidade utilizada para praticar os crimes descobertos na “Operação Tyrannos”.
Foi recomendado, também, que a Caixa apresente ao MPF solução que assegure a continuidade dos empreendimentos que vinham sendo realizados pelo CTAF, mas sem a participação da entidade, diante das graves suspeitas que recaem sobre seus dirigentes.
Segundo o MPF, “a suspensão dos empreendimentos é medida preventiva e temporária, para evitar a ocorrência de irregularidades na aplicação de recursos públicos destinados à construção de moradias para trabalhadores rurais naquela região do estado. Por outro lado, a apresentação, pela Caixa, de proposta para continuidade dos empreendimentos sem a participação da entidade suspeita visa conciliar a proteção do patrimônio publico com a garantia de que a população não seja prejudicada em seu direito à moradia”.
A recomendação abrange tanto empreendimentos já contratados quanto a assinatura de novos termos de cooperação, transferência de recursos ou pagamentos destinados ao MCMV nesses municípios.
Foi recomendada também a suspensão de pagamentos a quatro empresas específicas: Construart, Construmais, Comercial Tigrão e Construmarco, todas elas envolvidas em irregularidades apuradas ao longo das investigações realizadas conjuntamente pelo MPF, CGU e Polícia Federal.
Também neste caso foi dado prazo de 60 dias para o cumprimento da recomendação.
Municípios alvo da recomendação do MPF:
Águas Formosas; Alto Caparaó; Alto Jequitibá; Araponga; Caparaó; Caputira; Caratinga; Chalé; Conceição de Ipanema; Conceição do Mato Dentro; Durandé; Fronteira dos Vales; Ipanema; Lajinha; Luisburgo; Machacalis; Manhuaçu; Manhumirim; Martins Soares; Matipó; Mutum; Orizânia; Pedra Bonita; Pocrane; Reduto; Santa Margarida; Santana do Manhuaçu e Sericita.
FONTE: PORTAL CAPARAÓ