A Polícia da Nicarágua informou nesta sexta-feira (27) que prendeu Piersen Guiérrez Solis, de 42 anos, suspeito de ter assassinado a estudante brasileira Raynéia Gabrielle Lima. Segundo nota divulgada pela corporação, Solis tinha uma carabina M4, a mesma arma de guerra que teria sido disparada na segunda-feira (23) à noite contra a jovem pernambucana, de 31 anos. Em comunicado anterior, a polícia havia dito que o crime teria sido cometido por um guarda de segurança privado, mas não fez relação com o atual suspeito.
No entanto, a versão da polícia é contestada pelo reitor da Universidade Americana de Manágua (UAM), Ernesto Medina, onde ela cursava o sexto ano de medicina. Segundo Medina, as autoridades nicaraguenses estão encobrindo um crime cometido por paramilitares, simpatizantes do governo do presidente Daniel Ortega.
A morte de Raynéia ocorre em meio à maior onda de violência no país, desde o fim da guerra civil, em 1990. Segundo a Associação Nicaraguense pelos Direitos Humanos, 448 pessoas morreram em 100 dias de protestos contra o governo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que tem equipes no país investigando as denúncias, acusou a polícia e grupos paramilitares de usarem força letal para reprimir os manifestantes – muitos deles jovens estudantes que ocuparam universidades e ergueram barricadas. “Atiram para matar”, disse o secretário-executivo da CIDH, entidade ligada a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo Medina, Raynéia estava voltando para casa com o namorado, em carros separados, no bairro de Lomas de Monserrat – onde vivem altos funcionários do governo. “Apareceram três homens encapuzados, com fuzis de guerra, que fizeram sinal de alto. Ela continuou dirigindo e atiraram nela”, contou o reitor. O namorado, que vinha atrás, saiu do veículo dele com as mãos levantadas e levou Raynéia até o Hospital Militar. “Por coincidência, estavam de plantão três estudantes de medicina da nossa universidade, companheiros de Raynéia”, disse Medina. “Ela lutou horas para viver, mas não sobreviveu ao disparo, feito com uma arma de alto calibre”, disse Medina.
Raynéia morreu um dia depois de o presidente Daniel Ortega conceder uma entrevista exclusiva à cadeia de televisão norte-americana Fox News, afirmando que concluirá seu terceiro mandato consecutivo em 2021 e que não tem ligações com grupos paramilitares, responsabilizados por centenas de mortes.
No mesmo dia em que Raynéia foi assassinada, policiais e paramilitares entraram na cidade de Jinotega – a 242 quilômetros da capital, Managua – e mataram três pessoas.
Onda de violência
Os protestos na Nicarágua começaram em meados de abril, contra uma reforma da previdência – revogada posteriormente. Diante da brutal repressão aos manifestantes, os protestos continuaram, desta vez para pedir que as mortes fossem investigadas por organismos de direitos humanos internacionais.
O governo de Ortega aceitou a vinda da CIDH e pediu à Igreja Católica que mediasse um diálogo de paz com setores da sociedade civil que incluem estudantes, sacerdotes, agricultores e também empresários. No entanto, rejeitou o relatório da CIDH, atribuindo a maioria das mortes às forcas de segurança e aos grupos paramilitares. Ortega também rejeitou a proposta de pacificação, que incluía a antecipação de eleições presidenciais, além de reformas de instituições que vêm, aos poucos, sendo controladas pelo governo.
Líder da Revolução Sandinista de 1979, que derrotou a ditadura de Anastásio Somoza, Ortega está sendo acusado até por ex-aliados de querer instalar uma dinastia política tão corrupta e autoritária quanto a que ele combateu. Ele foi reeleito pela última vez em 2016, mas a votação – sem a presença de observadores internacionais – foi questionada pela oposição.
No último dia 18 de julho, às vésperas da comemoração dos 39 anos da Revolução Sandinista, a OEA aprovou uma resolução condenando a violência na Nicarágua e pedindo eleições antecipadas. Ela foi aprovada por 21 votos a favor, três contra e sete abstenções.
Depois da morte de Raynéia, o Itamaraty divulgou um comunicado pedindo o rápido esclarecimento do crime e condenando a repressão na Nicarágua. O embaixador brasileiro em Managua foi chamado de volta a Brasília, para consultas – o que, na diplomacia é um sinal de desagrado.
Até o momento, o Diálogo Nacional, mediado pela Igreja, não foi retomado e muitos nicaraguenses estão cruzando a fronteira, para a vizinha Costa Rica, para fugir da repressão.
Agência Brasil